2 de jul. de 2010

Café com Leite na Copa: Uruguai e Gana

Texto: Beto Almeida
Foto: Roberto Schmidt/AFP

Conheci Montevidéu tempos atrás, não me recordo o ano exato e não me importa. Eu era outro, minha vida era outra, tudo bem. Eu mudei, mas a capital uruguaia parece não ter essa capacidade - tudo lá parece antiquado. É como se a cidade recusasse ser corrompida pelos novos tempos, lá não há grandes edifícios envidraçados, sequer um engarrafamento. Na rua as pessoas não andam com pressa, mas com calma, e adoram tomar mate. Há lojas de mate por todos os cantos, e livrarias! Muitas livrarias, e parques. Tudo meio gasto pelo tempo. Se fosse definir Montevidéu me ocorre afirmar que é uma cidade que não tem medo de envelhecer. Aquela mulher madura, segura de si e da sua experiência, a face marcada por rugas que as tornam mais bela. Você acorda ao lado dela e sabe que a ama de verdade. Nada mais diferente de São Paulo, aquela coroa que faz lipo, botox e tem uma cara de plástico - você acorda ao lado dela e tem vontade de ir embora o mais rápido possível.

Por isso sou torcedor da Celeste - uma seleção que brilhou muito no passado e que parece não ter se adaptado ao futebol atual - de força física, eficiência tática, pragmático e profissional. Passaram por uma ditadura que dizimou uma geração, estavam atordoados demais para se dar conta que o mundo se tornou uma imensa Chinatown onde se vende de tudo, corações e mentes e um pedaço do Céu por 10% do salário de um homem comum ou de um astro do futebol. Questão de valores, e os uruguaios têm lá os deles.

Claro estava que a partida com Gana seria um épico trágico, o Uruguai é o Corinthians da Copa do Mundo. Seus torcedores iriam sofrer até o último minuto, são românticos. O futebol imita a vida, seus castigos e dores e alegrias. Tomaram o primeiro golpe, um gol de Muntari no fim do primeiro tempo - não desistiram. Voltaram com garra, dispostos a superar o revés. Conseguiram o empate e foram melhores durante todo o segundo tempo - mas não conseguiram a virada merecida, indo para a prorrogação. Haja nervos, coração bate mais forte, o sangue ruboriza em nossos rostos apreensivos.

E, no final da prorrogação, quando tudo parecia decidido, o golpe do destino: numa cabeçada dum jogador africano a bola que vai ao gol, impedida pela mão de um jogador de linha uruguaio num ato desesperado que pode ser a redenção de todo um país - um jogador que se dirige chorando ao vestiário, expulso de campo. O futebol também demanda seus mártires.

Mas o Destino quer que a vitória venha assim, cruel: o melhor jogador de Gana põe a bola na marca da cal, toma distância, corre e chuta - um petardo que explode no travessão, cuias de mate são jogadas aos ventos, gritos saem das gargantas, ainda há esperança. Aguante, Celeste!

Cinco jogadores de cada lado são escolhidos para o pelotão de fuzilamento - a tarefa mais inglória deste esporte, todos são vítimas da Sorte. Penâltis deviam ser cobrados por poetas. Eles compreendem mais as aflições humanas.

E os uruguaios, repito, são uns românticos... Antiquados, botaram o coração na ponta das chuteiras - expressão em desuso, que só eles diriam sem constragimento.

Venceram.

2 comentários:

Fellipe disse...

É me surpreende muito esse gigantee ``esquecido`` pela mídia mundial, afinal são poucos Bi no mundo, espainha e holandinha não são nada. Assisti ao jogo no rio onde a cada ataque africano todos que assistiam entravam em delírio, já eu fiquei quetinhoo, só esperando o agora MEU Uruguai aprontar mais uma vez.

Beto Almeida disse...

Pois é, Fellipe... Agora é torcer pro Uruguai superar a Holanda. Não vai ser fácil, mas da forma como foi a vitória contra Gana dá pra dizer que a Celeste está predestinada a ser campeã.