12 de set. de 2008

GE.NET - "Não sou a netinha incompetente, aproveitadora e laranja" - Carla Dualib

Reproduzo abaixo, a ótima entrevista concedida ao site Gazeta Esportiva. Net por Carla Dualibi, neta do ex presidente do Corinthians, Alberto Dualibi.

"Não sou a netinha incompetente, aproveitadora e laranja"



Por Helder Júnior

Alberto Dualib foi um dos primeiros leitores do livro “Salvem o Corinthians – Os bastidores que levaram o Timão da glória do Campeonato Mundial ao vexame da Série B”, lançado recentemente por sua neta Carla. Ganhou o exemplar de 136 páginas no Dia dos Pais, poucas horas após a derrota do Corinthians por 2 a 1 para o Vila Nova. Na contracapa, uma dedicatória especialmente preparada para o senhor de 88 anos, dirigente aposentado desde que renunciou à presidência do clube, há 11 meses: “Que a justiça seja feita. O tempo é o senhor da razão. Com amor, Carla”.

A publicitária Carla Dualib era executiva da HMTF (Hicks, Muse Tate & Furst), investidora do Corinthians na época das conquistas do Campeonato Brasileiro de 1999 e do Mundial de Clubes em 2000. Ela fundou sua própria empresa, a Sports Marketing Agency (SMA), quando a parceria acabou. A SMA recebia R$ 38 mil mensais para cuidar do marketing do clube, além de 10% sobre o valor total de contratos intermediados com patrocinadores e 25% sobre taxas de franquias do projeto Chute Inicial e de novos acordos de licenciamento ou renovação dos já vigentes. Hoje está falida.

Como prestadora de serviços do Corinthians, Carla Dualib orgulha-se dos contratos fechados com Nike, Pepsi e Kolumbus. Ainda reclama que apresentou a Samsung à MSI de Kia Joorabchian, iniciou contatos com a Medial Saúde já em 2003 e reivindica até a iniciativa de vestir o time de roxo – campanha lançada com impacto pelo atual vice-presidente de marketing do clube, Luís Paulo Rosenberg. De tão apegada à camisa roxa com o logotipo da Kolumbus nas mangas, segundo Carla, sua filha Bruna viajou com a peça no último final de semana.

Simultaneamente ao trabalho exercido no Corinthians, a publicitária fez negócios com Palmeiras, São Paulo e Santos. A exclusividade contratual que não se aplicava à SMA, apenas ao Corinthians, causava mal-estar no Parque São Jorge. Tanto quanto o parentesco da proprietária da empresa com o então todo-poderoso Alberto Dualib.

Se ela era defendida pelo avô badalado naquela época, a situação se inverteu em 2008. Na festa de aniversário de um amigo do filho André, outra criança não se intimidou: “A senhora é da família do Dualib, aquele ladrão? O Corinthians vai ser campeão da Copa do Brasil porque ele não está mais lá”.

Carla foi criada como a neta predileta de Alberto Dualib. E não nega os mimos. Quando o ex-presidente resolveu premiar o ex-jogador Neto com dinheiro do próprio bolso para cada gol marcado, Carla brincou: “O senhor está pagando tudo isso para o Neto? E para a neta, nada?!”.

No último Dia dos Pais, o presente de Carla inquietou o avô. “Ele engoliu as páginas do meu livro de uma vez, e ficou muito surpreso. Fez várias considerações, dizendo que fui ousada aqui e acolá”, comenta a publicitária, aos risos. A reação de Alberto Dualib era previsível. “Salvem o Corinthians” revela desde casos particulares da vida do ex-dirigente (como a morte de uma filha, vítima de Aids) aos bastidores do acordo com a MSI. Sua neta rememora, por exemplo, a festa em que Kia Joorabchian e Renato Duprat exibiram “mais de vinte mulheres bonitas” à diretoria do Corinthians, as viagens de negócios para Londres, onde viu os filhos do oligarca russo Boris Berezovsky com uniformes do Corinthians, e Geórgia, ocasião em que conheceu o palácio do “sinistro” Badri Partarkatsishvili. Também acusa a MSI de tentar comprar seu apoio com a cessão dos direitos federativos de Jô.

Carla Dualib visitou a redação da Gazeta Esportiva.Net para falar sobre seu livro no início do mês. Conversou demoradamente com funcionários do arquivo enquanto folheava jornais antigos e via fotos de Alberto Dualib. “Ele enlouqueceria se mexesse em tudo isso. Foi através da Gazeta que ele conheceu o Corinthians”, conta. Ferrenha defensora do avô, ela só fica incomodada quando o ex-presidente é recriminado. Rebate com comparações com a gestão de Andrés Sanchez, seu principal alvo de críticas nesta entrevista.

Gazeta Esportiva.Net: Seu livro soa como um desabafo. É isso mesmo?
Carla Dualib: Não sei dizer se a repercussão foi essa porque é uma coisa muito recente. O meu maior objetivo com o livro era colocar a minha versão dos fatos, já que nunca tive essa chance. Queria dizer como foi participar de tudo isso em que o Corinthians se envolveu. A Carla é muito diferente do ex-presidente Alberto Dualib. Ele é meu avô dentro de casa, lindo e maravilhoso, mas o posicionamento dele é um, enquanto o meu pode ser outro. Acabei ficando estigmatizada com o que aconteceu por tabela, de uma forma errada.

GE.Net: Em função de você ser neta de Alberto Dualib?
Carla: Pois é. E as coisas não são bem assim. As pessoas falam muito de laranjas, de Kalil [Jorge Kalil é cardiologista e dirigia o marketing do Corinthians na administração de Dualib], disso e daquilo. Mas espera aí. No São Paulo, quando apresentei a Siemens a eles, o vice-presidente de marketing também era médico. Gente, não vamos misturar as estações. O fato é que não havia laranjas, as coisas não funcionavam dessa forma e eu só fazia o meu trabalho. E ponto.

GE.Net: Você pretende aprofundar essa defesa em outro livro?
Carla: Estou ensaiando um segundo, mas gostaria de reunir muitos documentos antes de escrever. É isso que dá peso ao livro. Ao contrário do primeiro, esse será um pouco mais agressivo. Mas por que só agora estou dando a minha versão dos fatos? Já estou até fazendo perguntas no seu lugar. Desculpe, mas não me contenho com tudo isso.

GE.Net: Essa é a pergunta que abre o seu livro, não é?
Carla: Isso. Você acha que alguém ia me ouvir em meio ao tsunami que estava o Corinthians? O que acontece é que só pude me pronunciar, de fato, depois da renúncia do meu avô, quando houve a eleição. Era o momento certo. Aproveitando o assunto, não acho que já seja o momento de falar em sucessão presidencial, mas as pessoas sempre me questionam em quem votei. Sou muito transparente e respondo que foi no Paulo Garcia, por afinidade. Acho que ele é um bom gestor. Nada contra o Andrés Sanchez. Só não considero que seja o melhor representante para o clube. Se o Paulo Garcia lançar candidatura de novo, votarei nele mais uma vez.

GE.Net: O presidente Andrés Sanchez se irritou quando foi questionado sobre o seu livro. Disse para você ir à polícia e identificar “o cidadão que está roubando”.
Carla: Sempre tive um relacionamento muito cordial com o Andrés. Espero que continue assim. Mas, agora, é a corintiana e a conselheira quem pergunta: se há renovação e transparência, por que tanta irritabilidade? É algo tão natural. Você está vendo que sou uma pessoa muito calma e convicta. Quando a gente não deve, não teme. Espero que ele encare isso como um apelo de uma corintiana. Acho lícito e bonito qualquer um querer ser presidente do Corinthians. E o Andrés sempre deixou claro que esse era o sonho dele. Ele já é um vencedor por concretizar esse sonho tão difícil. Só não gosto da forma como as coisas se deram. A estratégia política dele foi de intimidação e truculência. Aí eu já não acho bonito.

GE.Net: Intimidação e truculência?
Carla: Sabe, vamos provar nas urnas quem tem mais condições de ser presidente? Não vamos intimidar, jogar bombas e criar um contexto que não é necessário. Quando o ex-presidente Alberto Dualib assumiu, aconteceu uma eleição bonita no Parque São Jorge. Antes de tudo, ele sentou-se à mesa do Vicente Matheus e perguntou se teria apoio para sua candidatura. O Matheus disse que não. Meu avô respondeu: “Então me desculpe. Vou ser presidente porque quero”. Isso é digno. A pessoa pode ter essa ambição, mas deve conquistá-la voto a voto.

GE.Net: O que você mudaria se estivesse na presidência do Corinthians?
Carla: Queria apenas 30 dias no cargo para mudar absolutamente tudo. Eu incomodaria muita gente, então provavelmente tentariam me derrubar. Mas não me preocuparia com isso porque bastaria um mês para fazer o que eu quero.

GE.Net: Qual seria a primeira mudança?
Carla: Tudo.

GE.Net: Mas não há nada emergencial?
Carla: Tudo.

GE.Net: Você traria alguém de fora para gerir o futebol do clube, como fez o Andrés Sanchez com o Antônio Carlos, por exemplo?
Carla: De verdade, não sei me posicionar em relação a isso. Nunca me envolvi em questões administrativas. Não posso dizer quem é mais ou menos capacitado para determinado cargo. O que me incomoda, mesmo, é que o departamento amador era um balaio de gato. E continua sendo. Como houve uma denúncia de que coisas erradas aconteciam na época do presidente Dualib e, hoje, as mesmas pessoas continuam gerindo o amador? É curioso.

GE.Net: O Andrés Sanchez passou pelo departamento amador.
Carla: Não gosto daquilo lá. Era e ainda é o câncer do Corinthians. O que me preocupa é que sempre levantaram a bandeira da renovação. E o que é renovação? Deixar de lado as coisas mais ultrapassadas, que talvez ficassem modernas com um presidente mais jovem. Mas os problemas já estão enraizados.

GE.Net: Você acusa a atual gestão de plagiar inovações que a SMA tentou implantar no Corinthians, como a camisa roxa.
Carla: Não tenho nenhuma pretensão de dizer que foi a Carla que fez isso ou aquilo. Eu tinha uma equipe maravilhosa, muita gente boa e competente, que se habituou a trabalhar com as questões políticas do clube. Quando meu contrato venceu e eu não tinha mais condições de manter essas pessoas, indiquei ao Corinthians e negociei salários. Elas estão lá até hoje. E olhe que mantive esses funcionários mesmo sem receber do Corinthians por mais de anos, tirando dinheiro do meu bolso para manter a equipe e honrar o contrato. Se eu fosse mal intencionada, demitiria todo mundo. Aí o Corinthians teria que correr atrás de tudo para se reestruturar sozinho.

GE.Net: Você acha que a diretoria do Corinthians se apropriou de outros projetos seus?
Carla: A camisa roxa é o maior exemplo. Dei muita risada quando soube do lançamento porque a minha pequenininha ainda usa o uniforme que criamos. Está lá em casa, com a marca Kolumbus nas mangas, passando de filho para filho. Tivemos a idéia de adotar o roxo, mas não deixaram o time entrar em campo assim. Diziam que não podia de jeito nenhum, pelo Estatuto. Não havia a mesma flexibilidade de hoje. O que o Andrés conseguiu fazer de legal foi colocar o uniforme nos jogos e... Mas olha essa camisa roxa, pô. Não quero levar os louros. Todo mundo já fala há muito tempo na idéia do corintiano roxo, assim como falavam no Santos dos Meninos da Vila. Não fui eu que criei essas coisas, mas foi a Carla quem disse que elas deveriam ser usadas como estratégias de marketing. E foram.

GE.Net: Além do Santos, sua empresa negociou com São Paulo e Palmeiras. A postura não era bem vista no Corinthians, não é?
Carla: Gente, eu não era contratada pelo Corinthians nem nunca fui. Até agradeço pela oportunidade de me deixar falar sobre isso. Não caí de pára-quedas no Parque São Jorge. Vim da Hicks Muse com toda uma bagagem, e informação representa muita coisa. Não queria que, quando acabasse essa parceria, acontecesse a mesma coisa da era Palmeiras-Parmalat. Pedi autorização à Hicks para dar continuidade ao trabalho deles. Por contrato, eu não podia atuar na área por tanto tempo nem passar as informações que tinha em mãos para ninguém. Eles foram superamistosos e me permitiram agarrar essa oportunidade. Então, quando fui para o Corinthians, já tinha todas as informações de licenciamentos, das franquias do projeto Chute Inicial e também sabia da existência de um imbróglio jurídico e financeiro que poderia custar R$ 10 milhões ao clube se a gente não colocasse ordem na casa. Eu tinha noção de tudo isso. Não estava lá só para gerar receita, mas também para não dar prejuízo. Por conta disso, quis exclusividade à minha empresa por um determinado período. Justo. Mas as pessoas falam que era assim porque sou neta do Dualib. Lógico que sempre há um facilitador. Talvez eu entrasse na sala do presidente do Corinthians como quem entra na própria casa, pela liberdade. Só que respeitava as limitações que me cabiam.

GE.Net: Mas não conseguiu acabar com a imagem de ‘neta do presidente’.
Carla: O ex-presidente estava lá há alguns anos, enquanto eu já trabalhava no mercado. Não peguei carona quando ele assumiu para começar a fazer a minha vida. Já tinha competência, qualificação e bagagem. Depois, fui me atualizando e me tornando uma profissional melhor. Quando a Hicks me levou para trabalhar, eu estava para ter neném. A única consideração que pedi foi dar de mamar.

GE.Net: Você deixou sua vida pessoal de lado por causa do Corinthians?
Carla: Deixei. Não me arrependo de nada, porque a gente não deve se arrepender do que fez. Sempre quis o melhor para a minha família e também para a minha vida profissional. Só fico chateada pela imagem distorcida que me deram. O que a minha empresa conseguiu fazer no marketing esportivo como um todo? Pô, a Siemens Mobile, que era do Real Madrid, deu para a gente exclusividade na área de esportes. Apresentamos a Siemens para o São Paulo e alavancamos o valor do contrato com a LG lá para o céu. Também entregamos a Samsung nas mãos do Mustafá Contursi, porque eles queriam ir para o Palmeiras antes de fechar com o Corinthians. Não deu certo, mas o que aconteceu com o patrocínio da Pirelli? Subiu. Não é a Carla, mas a nossa empresa trabalhou tão direitinho que fez com que as coisas acontecessem de uma forma melhor para todos os clubes. O que não posso admitir é ser estigmatizada como a netinha incompetente do Dualib, aproveitadora e laranja do cara! Não posso e não vou!

GE.Net: Seu avô também abdicou da vida pessoal pelo Corinthians?
Carla: Não posso falar por ele, mas sinto os reflexos disso. Ele é um homem que, quando entrou no Corinthians, tinha mais de R$ 200 milhões aplicados em bolsa, mais de 200 imóveis, aquela coisa toda. Hoje, não tem mais esse dinheiro todo aplicado. E, como ficou no comando das suas empresas, elas foram fechadas. De 1985 para cá, ele só vendeu seus imóveis. Agora tem 30 e poucos.

GE.Net: Então Alberto Dualib perdeu dinheiro com o clube?
Carla: Do ponto de vista patrimonial, ele foi prejudicado. Do familiar também. Ele pouco ficou com a família porque só viveu e respirou Corinthians. Mas acho que fez isso por amor. Quando é assim, não existem prejuízos. Há o ônus e o bônus de ser presidente do Corinthians, e ele tinha que saber onde estava.

GE.Net: Como ele está hoje, diante de acusações e afastado do Corinthians?
Carla: Está bem. Continua sendo um corintiano fanático, como sempre foi, com saúde e forte. Também tenta resolver os seus problemas. Tenho certeza de que todos serão resolvidos da forma mais natural do mundo. Essa situação me deixa muito triste por um lado e grata por outro. Por eu ser ainda relativamente jovem, posso reconstruir a vida e aprender com o que aconteceu no Corinthians. Já ele, quase com 90 anos, não tem tempo de mudar muita coisa. Alberto Dualib deveria ser mais respeitado. As pessoas precisavam fazer uma análise melhor da gestão dele, que foi vitoriosa.

GE.Net: Em um futuro distante, você acha que seu avô será lembrado pelos escândalos da última gestão ou como o presidente mais vitorioso da história do clube?
Carla: É uma coisa muito triste, mas o brasileiro, de um modo geral, tem memória curta. Ele esquece as vitórias e olha só para as coisas erradas. Não sei como ficará no futuro, mas o contexto leva a crer que a imagem dele não será boa. Esse é o lado triste da história. Para fazer um balanço, as pessoas devem pesar tudo o que ocorreu de bom e de ruim. E o que resta? Resta que o Corinthians foi campeão várias vezes. Se o planejamento de Alberto Dualib foi tirar o Corinthians das dívidas e colocar no caixa xis milhões, ele não fez. É preciso perguntar para ele se era isso ou não. Mas, pelo o que converso com o meu avô, o planejamento era conquistar títulos. Até tínhamos conflitos nesse sentido porque prefiro deixar de ganhar títulos por dez anos para ter o melhor estádio do Brasil e um time construído de forma sólida, sem bandidagem. Mas, espera, não era a minha gestão. Hello! O corintiano quer títulos. Se os torcedores vêem a equipe passar um ano sem ganhar nada, já começam a fazer manifestos, a matar uns aos outros e esquecem que fomos campeões lá atrás.

GE.Net: Você também sofreu com os torcedores?
Carla: Sim. Já fui ameaçada, mas não sofri um impacto tão grande. Ninguém conhecia a figura da Carla até pouco tempo, somente que existia a neta do Dualib. Saíram apenas duas ou três fotos em jornal até o lançamento do livro. Então, as pessoas até me questionavam quando viam meu sobrenome: “Carla, você é a neta do Dualib?!”. Ainda assim, sofri intimidações por telefone. Agora mesmo, com o livro, vou fazer um B.O. porque estão ameaçando a editora e a mim. Isso é um absurdo. Não estou querendo nada além de contar a minha versão dos fatos. Não posso?

GE.Net: Acredita que algumas dessas ameaças partiram de dentro do Corinthians?
Carla: Vou ser superpolítica, posso? Há indícios que sim [risos]. Desculpa, não posso provar. Quando a gente não tem documentos, comenta-se “há indícios”. Não vou me prejudicar mais. Já basta, né?

GE.Net: Seu avô temeu por algo mais grave do que os protestos de torcedores?
Carla: Não só meu avô, mas toda a minha família. A gente ficava na casa dele, e vinha a torcida jogar bombas. Eu estava lá dentro com as crianças pequenas e a minha avó idosa. Gente, o que é isso?! Você não pode nem sair de dentro de casa porque, senão, as pessoas te matam. Os caras estão invadindo a sua casa, quebrando o seu portão, e isso é bonito? Para chegar ao poder, precisa fazer tudo isso?

GE.Net: Dualib não pensou em desistir?
Carla: Acho que sim, mas estou falando pelo meu avô. Quando ele renunciou, falou “chega” para si mesmo.

GE.Net: Você já o viu chorar pelos problemas do Corinthians?
Carla: Não. Ele é muito sereno. Consegue incrivelmente se conter. Em algumas finais que acompanhei ao lado dele, meu avô ficava sempre com a mesma fisionomia. Não entendia como. Ele vibrava, mas não como a gente. Era sempre muito político, tinha aquela coisa antiga de bater palmas. Só faltava o chapéu [risos]. Ao lado dele, estava o presidente do clube adversário, e eu quase pulava em cima do cara. Meu avô dizia para não me comportar daquele jeito. Eu respondia: “Então, não vejo mais finais de campeonato com você”. Ele sempre foi muito calmo. Claro que já chorou por conquistas e derrotas. Não digo que chorou pelos problemas que levaram à renúncia, mas ainda está muito triste, sem dúvida.

GE.Net: Você assistiu com ele à queda do Corinthians para a Segunda Divisão?
Carla: Não. Eu assisti em casa, danada, vendo os meus filhos chorarem. Disse para eles que tudo aquilo estava escrito. Não chorei. Quando o Seu Dualib saiu da presidência, o time estava brigando pela sexta posição. Ah, o time era ruim. Mas quantas vezes o time era uma caca e chegava lá ou não caia? O fato é que não caiu nas mãos dele.

GE.Net: Quem está no poder acha que o Corinthians caiu nas mãos dele?
Carla: É fácil e cômodo culpá-lo.

GE.Net: Seu avô foi traído no Corinthians? Ele ainda se relaciona com outros conselheiros?
Carla: Isso eu falo com convicção: ele foi traído. Não tenha a menor dúvida. Hoje, algumas pessoas ainda ligam para ele, mas são pouquíssimas. É aí que você vê quem são os amigos de verdade.

GE.Net: Você foi contrária à parceria com a MSI, que iniciou a derrocada de seu avô no Corinthians. Por que não conseguiu convencê-lo a não fechar o negócio?
Carla: Eu tentei. Fiz pesquisas e consultas, que me levaram a crer que o acordo com a MSI representava risco de morte. Cheguei a ter a coragem de pedir ao Mário Amato, que foi presidente da Fiesp e é ex-genro do Renato Duprat, que conversasse com o meu avô. Em um telefonema, o Mário Amato disse claramente para Alberto Dualib: “Não se meta com essa gente. Não confie no Renato Duprat”. O problema é que as coisas já haviam chegado a tal ponto que era difícil retroceder.

GE.Net: Em seu livro, você conta que a MSI tentou comprar seu apoio com os direitos federativos do Jô. Foi a única vez?
Carla: De uma forma descarada, foi. Eu sentia que as pessoas se aproximavam, querendo dizer que eu teria benefícios aqui e acolá se apoiasse. Mas nunca me encantei com essas coisas. Tenho princípios.

GE.Net: O Jô foi negociado recentemente com o Manchester City e o lucro que seria do Corinthians acabou com o empresário Giuliano Bertolucci, ligado ao Kia Joorabchian.
Carla: Curioso, né? Muito bonita essa história. Na hora em que eu soube, falei: “Nooooossa, cara”. Para quem está por dentro da situação, tudo fica muito claro.

GE.Net: Você acha que o Andrés Sanchez mantém relações com ex-representantes da MSI?
Carla: Há indícios que sim. Questiona-se também o caso Salamandra. Não tenho dados para afirmar com certeza, mas costumo dizer que o tempo é o senhor da razão. O mundo é absolutamente redondo. As coisas serão concluídas e a gente saberá o que está acontecendo.

GE.Net: No livro, você escreve que o Andrés Sanchez também era contra a parceria com a MSI, até viajar para Londres e Geórgia. O que o encantou na Europa?
Carla: Não falo que encantou. Mas, antes, ele questionava a parceria tanto quanto eu. Na Geórgia, conhecemos a casa do Badri [Patarkatsishvili, misteriosamente falecido neste ano], que parecia uma Disneyworld. Lá fora, tudo era um horror. Nunca me senti tão acuada como naquele lugar. É desumano ver essas pessoas que roubaram o povo viverem assim. Veja, não sou comunista nem nada. Mas acho um absurdo quando o cara pega um castelo para morar, sendo que, do lado de fora, todo mundo anda com aquela roupinha cinza. Meu! Como é que esse cara vive? É uma baita agressão. Não gosto desse tipo de hipocrisia. As pessoas se encantam muito pelo o que vêem, mas nunca me deixei levar. Meu avô me proporcionou muito mais do que eu devia ter. A Carla é fresca? Não, mas ela não se encanta facilmente. Não é um lugar lindo ou a música que vão me dizer o que é bom. Quero ver os números e conhecer as pessoas. O jantar faz parte, ok. Mas não me impressiona ver os filhos do Boris Berezovsky vestidos de corintianos e cantando o hino do Corinthians. É ridículo. Voltando à pergunta, não acho que o Andrés tenha se deslumbrado. Todo mundo teve aquela reação. O que me causa estranheza é o fato de o contrato com a MSI continuar aí. Está tudo acontecendo como antes. Só tiraram o Dualib do contexto. Sabe por quê? Isso é uma coisa muito séria, que o próprio homem do quinto andar dizia para mim e gravei: com ele, não tinha negócio. O que significa isso?

GE.Net: O quê?
Carla: Dou margem à interpretação.

http://www.gazetaesportiva.net/entrevista/futebol/ent212.php

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